Resumo: |
O presente trabalho tem como tema de estudo a Imigração Árabe em São Paulo, através da História Oral de Vida. Inicialmente, pretendeu-se uma contextualização do modo de vida desse contingente antes do período imigratório, os fatores que motivaram a vinda desses imigrantes, o contexto em que se deu a sua vinda, quais foram os países e as regiões de origem, as condições de vida oferecidas e as atividades econômicas praticadas em seus países. Ainda dentro dessas determinações iniciais, foi necessário estabelecer as balizas cronológicas da vinda desses imigrantes para o Brasil; se partiram sós ou acompanhados da família e o grupo social ao qual pertenciam; as tendências religiosas entre os imigrantes. Numa segunda etapa, pretendeu-se retratar o caminho percorrido pelos imigrantes ao optarem pela saída de seu país ou região de origem, seguindo o destino da América, na América pelo Brasil, no Brasil por São Paulo. Foi importante também, nessa etapa, analisar a concepção de América para o imigrante árabe: se considerada como a Nova Terra redescoberta, como a busca da Terra da Promissão, ou se considerada apenas do ponto de vista prático, como forma de ascensão social para se alcançar ou recuperar os sonhos de riqueza e de vida farta. Ligado a esse fator, impôs-se a necessidade de se registrar o interesse inicial do imigrante: se veio para a América com o objetivo de permanência definitiva no país e, por isso mesmo, as tentativas que se fizeram de assimilação ou de adaptação; ou se a vinda à América foi transitória, com a intenção de fazer a América, enriquecer ou, pelo menos, juntar algum capital e retornar ao país de origem para aplicar essa possível riqueza. Já estabelecidos na América, analisou-se o pioneirismo dos imigrantes árabes; a solidariedade familiar ou do próprio grupo em relação à chegada de novas levas; o local em que se estabeleceram; as atividades econômicas praticadas; as dificuldades dos primeiros ) tempos; a formação familiar, se chegaram sós e mandaram buscar a família ou se formam família posteriormente e como foram formadas, se for esse o caso. A fim de se compreender as intenções iniciais desses imigrantes e os projetos de vida posteriormente desenvolvidos, diante da realidade apresentada, fez-se necessário, também, um levantamento acerca de participação desse grupo árabes em associações de benemerência, clubes sociais e desportivos, templos religiosos, escolas, jornais e revistas. Com isso, pretendeu-se avaliar se houve compatibilidade ou não entre a cultura brasileira e a cultura árabe, se houve desejo ou não de assimilação ou interação com a sociedade. Dentro desse aspecto pode-se verificar, ainda, o contato mantido com o país de origem, o retorno para a terra natal e as naturalizações ocorridas ou não. Em relação à formação da comunidade árabe no Brasil, foi necessário também, considerar o aspecto religioso dos imigrantes. Dois grupos principais de imigrantes árabes chegaram ao Brasil: os cristãos, seguidos dos muçulmanos. Desse ponto de vista, pontuou-se as diferenças existentes entre esses dois grupos internamente e a relação que estabeleceram com o país. Cristãos e islâmicos formaram grupos distintos, vieram para o Brasil por motivos distintos, organizaram-se de forma também distinta, com a fundação de entidades próprias a cada uma delas. Essa diferença fez-se notar, ainda, em relação as gerações de filhos e netos de imigrantes árabes, sentidas em questões simples como o costume de dar nomes árabes aos filhos e netos; o ensino da língua e dos costumes pelos familiares; o casamento entre os da mesma religião e os casamentos mistos; o contato com os parentes ou a impossibilidade do retorno. Frente a isso, também procurou-se verificar para as gerações de filhos e netos se houve a assimilação ou não, através dos processos de acomodação, adaptação, interação ou afastamento da ) sociedade brasileira; se houve a viabilização do projeto de ascensão social através do levantamento das profissões exercidas por essas gerações, se mantiveram ou não as atividades de seus pais, se passaram do comércio para as profissões liberais, se houve a ascensão da condição de mascate para a de proprietários; da pontuação das diferenças entre a geração de imigrantes árabes cristãos e de imigrantes árabes muçulmanos. Metodologicamente, optou-se pelo uso da técnica de História Oral para se realizar as entrevistas de pessoas comuns da comunidade árabe cristã e da comunidade árabe islâmica, que aqui estejam estabelecidos há, pelo menos, duas a três gerações. Com esse objetivo, partiu-se primeiramente para o estabelecimento da colônias de narradores dentre o grupo dessa nacionalidade, de acordo com a idéia inicial apresentada. Para tal, foi estabelecida uma rede de entrevistados, onde, determinado o primeiro, os demais foram escolhidos de acordo com a indicação dos próprios participantes do projeto. Foram estabelecidos como colaboradores pessoas comuns da comunidade árabe cristã e da comunidade árabe muçulmana, aqui vivendo há pelo menos duas a três gerações, tendo como ponto de partida a cidade de São Paulo para onde se dirigiu o maior número dessa leva imigratória. As entrevistas únicas, não diretivas, sem questões prévias, e do tipo aberta, foram constituídas de três etapas principais, definindo o corpus narrativo das entrevistas dos membros da primeira geração. Simplificadamente: a vida no país de origem: nascimento, local, região, família, religião, atividade econômica praticada, condições de vida mantidas; motivo da imigração: quando ocorre, como ocorre, por que ocorre, qual o caminho percorrido, quais motivos incentivaram essa vinda, o contato com a terra natal e os familiares; opção pelo Brasil: dificuldades iniciais, estabelecimento, atividades econômicas empreendidas, os projetos ) possíveis, a vida familiar, casamento e filhos, a manutenção e filhos, a manutenção dos costumes, da cultura, da religião através de movimentos associativos, a transmissão cultural aos filhos e netos, o estabelecimento definitivo no Brasil, o retorno ao país de origem. Para a segunda geração estabeleceu-se um corpus narrativo adequado a essas características, tais como: a vida familiar: composição familiar, costumes, religião, educação, atividades profissionais; a descendência de um grupo imigrante: dificuldades de convívio, conflitos culturais, manutenção dos costumes e ritos religiosos, casamento, convivência com grupos nacionais e estrangeiros, opção de atividade profissional, participação em grupos associativos, culturais, religiosos. Durante as entrevistas, o procedimento adotado baseou-se na condução dada pelo próprio entrevistado, estabelecendo ritmos, considerações, comentários a sua escolha. Ao pesquisador coube assumir uma atitude sobretudo de ouvinte, intervindo o mínimo possível e, quando interferências se fizeram necessárias, as questões foram feitas de modo a não modificar o rumo da fala anterior. Além do uso do gravador, instrumento indispensável, a existência de um caderno de campo tornou-se extremamente necessária, pois foi nele que o pesquisador teve a oportunidade de fazer anotações que mais tarde vieram a esclarecer algum mal entendido de pronúncia, comunicação ou alguma falha técnica. Foi possível também aí estar registrando a aura da entrevista, as impressões do pesquisador, as percepções sobre o entrevistado, ou qualquer outro aspecto considerado relevante para a pesquisa, antes ou depois da realização das mesmas. Realizadas as entrevistas, estas foram trabalhadas, uma a uma, em três etapas: transcrição, textualização e transcrição. Foram etapas complexas e exaustivas, mas que não puderam ser descartadas, uma vez que um projeto de História Oral só se concretiza quando ) ocorre a passagem do texto oral escrito, etapa fundamental desse trabalho. Essas três etapas podem ser assim consideradas: transcrição: etapa mais exaustiva do trabalho, no entanto indispensável. Constituiu-se na retomada da entrevista, registrando-se a narrativa em um texto escrito, palavra por palavra do que foi falado, sem modificar nada. Feita a transcrição, foram marcadas as palavras-chaves que estabelecem o ritmo e tom dados pelo entrevistado; textualização: nessa etapa, trabalhamos com o texto já transcrito, procurando reorganizá-lo para dar-lhe a estrutura de uma narrativa escrita e agradável de se ler. Foram suprimidas todas as perguntas feitas pelo pesquisador, e incorporadas ao discurso do entrevistado. Além disso, através das palavras-chaves selecionadas na etapa anterior, o texto foi escrito a partir do corpus narrativo estabelecido, somando-se os temas do discurso e reelaborando o argumento; transcrição: etapa mais complexa do trabalho e também a mais interessante. Aqui procurou-se recuperar o próprio momento da entrevista, permitindo ao leitor a sensação de que estivesse participando dela. Nessa etapa, o pesquisador esteve livre para interferir no texto, redimensionando-o em outro contexto, preenchendo as lacunas da fala do entrevistado, registrando as emoções e a aura da entrevista que a simples transcrição ou a textualização não puderam recuperar. Momentos como o choro, a pausa, o silêncio, o olhar perdido, a emoção, puderam ser transmitidos para o leitor através do texto transcriado. Após a realização dessas três etapas, o texto final retornou a cada um dos entrevistados para leitura, apreciação, modificações, acréscimos que julgaram necessários. Mas, sobretudo, foi também o momento em que o entrevistado autorizou sua publicação e utilização, assinando um documento com esse fim |