Resumo: |
Este trabalho pretende interpretar historicamente um fenômeno sócio-cultural contemporâneo ocorrido no Estado de Santa Catarina e em todo o sul do Brasil, que foi a emergência não apenas de um movimento separatista organizado, mas sobretudo de um amplo sentimento em favor da criação de um novo país reunindo os três estados sulistas (Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina) entre diversas parcelas da população. Tomando por base Santa Catarina, que foi onde o autor teve contato direto com esta situação, e também onde o separatismo revelou-se mais estruturado, o estudo busca desenvolver uma espécie de escavação de caráter histórico nas visões de mundo partilhadas por expressivos segmentos de seus habitantes a fim de localizar algumas das principais matrizes que têm informado uma evidente sensação de desconforto ou mal-estar presente nestas populações no que se refere a uma efetiva incorporação ao Estado brasileiro e mesmo a uma idéia de Brasil Nação. Para isto, a referência temporal adotada foi o correr deste último século, onde as propostas e ações visando a constituição de uma nacionalidade brasileira esbarraram em preocupações não inteiramente coincidentes, sejam as elaboradas por imigrantes europeus e seus descendentes que tinham a aspiração de preservar uma identidade de feição étnica, sejam as construídas por indivíduos ou grupos animados por um regionalismo que absorvia desconfianças e ressentimentos quanto ao Estado brasileiro e ao restante dopaís. Visando então compreender o separatismo numa dimensão histórica e cultural, o que muitas vezes escapou àqueles que o analisaram tendo em mira apenas o discurso de suas lideranças mais conhecidas (onde, com certeza, salta à vista o simplismo de muitas das suas formulações ou os preconceitos que as nutrem), optou-se por focalizar as circunstâncias que em Santa Catarina parecem mais ilustrativas das fricções e enferrujamento quanto ao processo de integração na sociedade brasileira, tal como este foi pensado e perseguido por intelectuais e dirigentes políticos situados nos principais centros de decisão do país ou por aqueles que, atuando na própria região sul, com eles comungavam das mesmas idéias. Assim, foram pesquisados e discutidos o chamado "perigo alemão" no início deste século, o integralismo, o nazismo e a campanha da nacionalização durante os anos trinta e quarenta: o tradicionalismo gaúcho nas últimas décadas, e por fim o movimento separatista "O Sul é o meu País" organizado mais recentemente. Abordando através de inúmeras fontes estes momentos e estas manifestações por vezes muito separadas no tempo e muito distintas em seu conteúdo, as reflexões aqui contidas não pretendem sugerir a existência de um generalizado sentimento separatista de longa duração na região do sul do Brasil ou, em particular, no Estado de Santa Catarina, mas sim debater como noções originalmente diversas podem intercambiar sentidos, ressignificando-os ou ser colonizadas de maneira a ganharem um significado novo, Para além disto, porém, pode-se dizer ainda que a maior ambição deste trabalho é problematizar os resultados por vezes surpreendentes e contraditórios da imposição de um modelo de nacionalidade que se esmerou em recusar as diferenças, fossem elas culturais, políticas, ou quaisquer outras baseadas em opiniões argumentativas publicamente sociais asseguradas por um tal modelo de nação |