Resumo: |
O almirante Álvaro Alberto da Motta e Silva tem destaque na história da ciência brasileira por ter sido o principal formulador de uma política nacional autônoma para a nascente indústria nuclear, em fins dos anos 40, e líder da criação do Conselho Nacional de Pesquisas - CNPq, marco na institucionalização da política científica no país. Sua atuação na Academia Brasileira de Ciências e na Escola Naval, como especialista em explosivos, foi igualmente relevante. Álvaro Alberto defendeu o apoio do Estado ao desenvolvimento científico e à capacitação tecnológica como única instância capaz, de garantir o aproveitamento dos nossos recursos naturais e assegurar o desenvolvimento nacional. Expressou o ideário de uma fração das elites brasileiras que aspirava a uma inserção soberana do país no contexto mundial e articulou a vertente do nacionalismo brasileiro, no segundo pós-guerra, que enxergava o conhecimento como a força transformadora necessária à modernização do país. Teve sempre o Estado como responsável primeiro pela mobilização do saber na realização dos interesses nacionais. A luta que empreendeu, entretanto, não torna sua vida objeto de estudo capaz de revelar por si só a complexidade da organização social e institucional da ciência no Brasil. Mas, como aponta Agnes Heller, se a análise do homem singular não oferece a possibilidade de se obter uma imagem completa do caráter de uma sociedade determinada - que só pode ser alcançada através da análise da totalidade da estrutura social - o fato de o indivíduo ter o campo de suas alternativas definido pela situação concreta em que nasce não quer dizer que o mundo exterior seja um obstáculo, mas um momento afirmativo da sua liberdade. Daí a validade da abordagem biográfica. As alternativas que buscou encontraram seus limites na realidade objetiva da formação histórica brasileira: a fragilidade econômica, a subordinação no interior da divisão internacional ) do trabalho - elementos complexos de um processo de modernização reflexa, que busca seletivamente o que convém na racionalização da produção, considerada signo essencial de modernidade. A revolução atômica na segunda metade deste século dramatizou esta realidade. Primeiro, porque suscitou esperanças de que o Brasil poderia dar um salto para a modernidade porque detinha o combustível natural necessário. Álvaro Alberto superavaliou as possibilidades da tecnologia dos reatores nucleares - acreditava que ela revolucionaria as fontes energéticas e se difundiria de maneira avassaladora por todos os segmentos da economia - assim como superestimou os avanços da física nuclear e a segurança que se alcançara no domínio de todas as etapas do processo de utilização da energia do átomo. Em segundo lugar, porque deixou claro que não bastava estar no bloco dos vencedores - na guerra e na pesquisa científica - para compartilhar os louros da vitória. Álvaro Alberto se equivocou ao acreditar que o Brasil - por deter depósitos de minerais estratégicos - seria admitido como parceiro da aliança ocidental contra o bloco comunista. O alinhamento às posições americanas, cedo descobriria, não se traduziu jamais no acesso à tecnologia nuclear desenvolvida por aquela que acreditava ser a "grande nação amiga". A alternativa que buscou na Europa, quando contratou na Alemanha a construção das ultracentrífugas para enriquecimento de urânio, foi duplamente derrotada. Prevaleceram o poder da força militar, diante do embargo americano à importação do equipamento, e o poder da campanha desmoralizadora, que procurou ridicularizar a opção tecnológica adotada. Álvaro Alberto sempre insistiu no acerto dessa decisão e ficou feliz ao receber do reconhecido físico-químico Paul Harteck, em 1964, a indicação de que aquele poderia ter sido o processo utilizado pelos chineses para chegar à bomba atômica. Tanto a cooperação norte-americana ) quanto o futuro brilhante da energia nuclear pareciam-lhe perfeitamente plausíveis. Todas as nações que puderam se lançaram na corrida pelo domínio do átomo e, com grande rapidez, muitas chegaram a posições bem sucedidas seja na área militar seja nas aplicações civis. Por que também o Brasil não deveria tentar? Poucos tiveram, como Álvaro Alberto, a clareza, naquele momento, de que o futuro das nações estava progressiva e irremediavelmente vinculado à capacidade de promover a pesquisa científica e tecnológica. Sua experiência de vida alicerçou essa compreensão. Ao chegar com cerca de sessenta anos de idade na posição de linear a institucionalização do Conselho Nacional de Pesquisas e a tentativa de estabelecimento de uma política nacional autônoma para nascente indústria nuclear, Álvaro Alberto havia cumprido extensa trajetória profissional. Vivenciou com o pai, e depois na sua própria industria de explosivos, o esforço para viabilizar apoio financeiro aos seus projetos de pesquisa e desenvolvimento na área química e enfrentou com sucesso os aspectos comerciais do seu empreendimento. Como oficial da Marinha, incorporou o ideário da segurança nacional e na ONU ampliou seu relacionamento com o área científica internacional. A época em que viveu - quase um século, a partir do final do XIX - foi a que mais plenamente identificou modernidade com desenvolvimento e industrialização. Nesse contexto, a ciência se firmou como base do saber empírico e da capacidade de realizar prognósticos necessários ao desenvolvimento das forças produtivas. Mas foi também nesse momento que sofreu a denúncia de que, ao contrário da felicidade universal, trouxe o pesadelo da destruição. Essa crítica passou ao largo do pensamento de Álvaro Alberto. Sua concepção vem em linha direta da Ilustração, em que a modernidade é concebida como a maioridade do homem, quando as relações entre o homem e a natureza deixavam de ser ) marcadas pela Revelação para que se afirmasse o "verdadeiro" espírito da ciência moderna, concretizado na concepção matemático-natural do mundo. Ao moderno de então se associava o ideário de progresso, de civilização e cultura, do poder da razão e da verdade científica. A prática transformadora, o fazer e o produzir são, então, a razão de ser das idéias. Assim, a racionalidade científica constituiu-se em um dos maiores legados ao tempo de Álvaro Alberto. E o papel da inovação tecnológica no desenvolvimento econômico, de simples menção nos compêndios de economia na década de 1930, passou a formar um elaborado corpus teórico já a partir da década de 50. Adensamento correspondente ocorreu no campo prático, com aumentos constantes dos investimentos em pesquisa nos países desenvolvidos. Hoje prevalece a convicção de que nenhum estado industrial moderno pode existir sem a ciência ou sobreviver no contexto da competição internacional sem utilizar ao máximo seus próprios recursos intelectuais e financeiros para fazer progredir a ciência e suas aplicações |