Resumo: |
O fenômeno social das utopias exprime como nenhum outro, a inquietude e a riqueza do pensamento humano. Ilimitado como o próprio desejo, o pensamento utópico apresenta-se tanto dinâmico e revolucionário por criar situações sociais originais e atraentes, assim como de forma paradoxal, busca também o estático ao propor harmonias ideais e estabilizadas que negam novas mudanças e até novos desejos. Universal por excelência, o fenômeno utópico se manifestou em diferentes épocas e lugares, de modos diversos nas mais diversas culturas da humanidade. Notadamente no século XIX, adquiriu uma nova força quando alguns pensadores ousaram estabelecer mecanismos supostamente práticos, abrangentes e alteradores de toda a ordem existente no planeta. Diferentemente dos utopistas anteriores que restringiram suas obras a meros devaneios ou à práticas restritas a um pequeno universo, os utopistas europeus do início do século passado, elaboraram verdadeiros sistemas que tiveram um significativo respaldo nas décadas seguintes. Estas idéias revolucionárias que partiram dos escritos de Saint-Simon, Owen e Fourier, formularam os princípios do pensamento socialista e motivaram muitas atitudes práticas no Velho e Novo Mundo. Dentre estas, destacou-se as originais experiências fourieristas ocorridas na Europa, na África e principalmente na América. Fourier defende que a transformação da humanidade deveria ser principiada pela formação de falanstérios: comunidades pilotos que reuniriam cerca de mil e oitocentas pessoas escolhidas de acordo com seus caráteres, preferências e habilidades profissionais. Seus integrantes, os falansterianos, atuariam somente nas tarefas que julgassem atrativas e variariam o maior número de vezes possível entre as mesmas; receberiam uma remuneração desigual que obedeceria a critérios individuais de participação. O prazer, o bem-estar, a auto-suficiência e o respeito às diferenças individuais constituíam portanto, as premissas do socialismo fourierista. A nova ordem foi apresentada ao Brasil em 1840 pelo Dr. Benoit Jules Mure, um médico homeopata, que adaptou as concepções fourieristas a um projeto colonizador. Em sua proposta, ofereceu mão-de-obra especializada abundante e equipamentos produtivos inexistentes no Brasil. A oferta obteve um forte apoio de um importante jornal da Corte e logo ganhou simpatias do Governo Imperial no decorrer do ano de 1841. Bem divulgado, discutido e polemizado, o projeto de Mure conseguiu a aprovação de um financiamento do Poder Legislativo e a celebração de um contrato com o Poder Executivo no mesmo ano. Em 1842, a colônia francesa implantou-se na Península do Saí em Santa Catarina e até 1844, mobilizou aproximadamente quinhentos imigrantes. Contudo, a experiência transcorreu em meio a comprometedores problemas e frustraram a grande expectativa do Governo Imperial que acreditava estar recebendo uma inovadora colonização de base industrial. A maior decepção no entanto, provavelmente pairou sobre os franceses esperançosos na experiência que, ao seu ver, marcaria o início da transformação em busca da Harmonia. |